segunda-feira, 13 de abril de 2009

Capítulo Primeiro – A luz percorre seus caminhos.

Esta história se tem início com a incursão da última estrela cadente na madrugada da primavera. Simbolizando prenúncio de mudanças, esse fenômeno carrega consigo toda uma crença e mistério. É dito que ele é responsável pelo encontro do amor eterno, da longevidade aquém, do incremento bastardo da sorte de alguém, e, além disso tudo, do nascimento das sementes do bem e do mal. Agora nos perguntamos, que tipo de semente? Sim, pessoas. Crianças que trazem consigo o fardo de liderar toda uma facção à sua vitória. Lógico que uma delas será a derrotada. Conta a lenda, também, que o bem fora derrotado na última incursão que gerou as tais sementes e que os esforços, para tornar o bem vitorioso, nada mais deixou de legado a não ser três essências principais, na tentativa de resguardar as armas contra os pontos fracos do mal para a próxima geração que estava por vir. Seria a primeira essência o fruto, que carrega um potente simbolismo em si, significando toda a vida e toda esperança, como o acordar de uma nova era. A segunda essência é o cinturão sagrado, simbolizando a força e vitalidade, coragem e poder de quem o usa, um verdadeiro herói. Por último, a mais intrigante essência, a essência do medo. Por ter um porte paradoxal, ela encerra em si todos os medos do homem, que, por lógica, não deveria combater o mal, mas alimentá-lo. Aí é que está o paradoxo. Na verdade, o mal vem para causar medo naqueles que o sofrem. Se tu conseguirdes encerrar todos os medos em uma essência, não sobrará medo algum para ser sentido contra o mal. É por isso que essa essência é tão singular. Tão singular quanto uma pequena criança que nascia naquela madrugada, filha de uma prostituta. Era bem cedo na madrugada. Última madrugada da primavera. A rapariga gemia alto sobre um monte de feno de uma lavoura próxima a um córrego.

- Rápido, traga mais água! – A parteira, uma senhora de cabelos grisalhos, humildemente vestida, falava com voz rouca para sua assistente, uma garota muito jovem, loira, branca como a lua e sardas no rosto.

- Sim, senhora! – A assistente leva o balde de madeira para a beira do riacho, prontamente. Enquanto isso, um diálogo é travado entre a parteira e a sirigaita.

- Como você deixou isso acontecer? Por que não mataste a criança quando pôde?! – A senhora falava rispidamente, dava uma bronca na mulher.

- Eu tentei, senhora *gritos* eu tentei, mas não saiu! *gritos* Como eu vou cuidar desta criança?! – A morena clara, de cabelos negros como a noite, fartos seios e barriga bastante inchada em decorrência à gravidez, mal conseguia respirar. A bolsa já havia rompido e ela já estava a dar a luz. A assistente chega com o balde que a senhora parteira usa para umedecer uns panos. Torce para tirar o excesso de água e começa a fazer seu trabalho com destreza.

- Agüente firme, vamos! Respire! Empurre! – A assistente segura firme nas mãos da mãe e orienta-a a fazer força. Alguns momentos de gritos e se seguem para depois vir um choro forte de uma criança saudável.

- Parabéns, é um guerreiro – Diz a assistente, voltando os olhos para a mãe, que está quase sem fôlego, bastante suada. Ao olhar para o céu, a senhora parteira percebeu um filete luminoso cruzando do leste ao oeste, onde logo depois o firmamento fora embebido na luz forte do dia que começara a nascer. Um calafrio percorre toda sua espinha. "Era um guerreiro".

Esta madrugada fatídica, nascimento do filho de uma prostituta, no final da primavera de um ano bissexto, seguido de uma última estrela cadente antes da manhã clarear o céu, fora escondida de toda autoridade e estudioso sobre o assunto. Primeiro por que nem a mãe e nem a assistente haviam notado o fenômeno. Segundo por que a senhora parteira, muito supersticiosa, não podia acreditar que uma semente sagrada estava nascendo de algo tão impuro quanto alguém que vendia seu próprio corpo. Preferiu esquecer esse fato, ou simplesmente ignorá-lo. Após abandonar a criança na porta de um orfanato, passava dia após dia vigiando silenciosamente o garoto que crescia forte e saudável.

Após alguns anos, a senhora parteira, em seu leito de morte, velada por sua assistente, a quem tinha como uma filha, não podia deixar aquela história morrer junto com ela. Afinal, se algo precisasse ser feito teria que partir de alguém de muita confiança. Então, quase sem voz, sussurrou as palavras:

- Aquele menino a quem ajudamos a nascer naquela clareira aqui perto pode ser o escolhido...

- Como, mãe? – A jovem, agora com traços mais maduros, uma mulher muito bonita, achava que a sua "mãe", como a chamava carinhosamente, estava delirando próximo à sua morte, e começou a chorar.

- O filho daquela prostituta... Ele nasceu na ultima noite... Com a estrela cadente...

Neste momento, o mesmo frio gélido que passara na espinha da parteira se professou também no corpo da jovem, e pelos mesmos motivos.

- Mas o que farei? – A senhorita se desesperava.

- Você saberá quando a hora chegar... – e deu seu último suspiro.